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MATÉRIA ESPECIAL: CAROL MORENA (PB) FALA SOBRE O TRABALHO DO ARTISTA PLÁSTICO SHIKO

“Eu era romântico, poético, tarado, viado, sapatão, louco, psicopata, (…) umas pessoas ficam ofendidas, outras encantadas…”.

Esse do desenho é Francisco José, o Shiko, e é isso o que ele provoca. Pra entender o porquê, é só olhar as imagens ao lado e perceber do que trata o seu trabalho, na realidade seu traço, a expressão dos olhares, as temáticas, e a personalidade forte e meio maluca, perfeitamente impressa nas telas. Não há como passar despercebido. Um mundo ganha forma e é traduzido cheio de detalhes, sombras e texturas. Escultor, grafiteiro, pixador, quadrinista, fanzineiro… Pinta em tela, papel, parede, geladeira, porta… Com tinta, caneta, lápis, cera, faz storyboard, desenhos pra tatuagem, campanhas publicitárias, capas de CD, flyers, cartazes, tudo ao mesmo tempo, mas odeia ser tachado de artista plástico. “É algo que não diz nada sobre o que você faz. Quer dizer que você pode enfiar uns pregos num sabonete, sei lá. E minha vida como artista plástico seria como? Produzir um material que seria exposto, colocado venda? Isso é o que eu menos faço, nunca foi o foco que eu quis dar”.

Shiko é intenso assim. O clássico artista marginal, que adora temas como boemia, noite, álcool, pornografia, música, cinema… A sua história e a de sobrevivência com o que faz é quase uma utopia para os artistas como ele, pois o cara consegue sustentar-se só de arte, nunca tendo trabalhado com mais nada na vida. Tem suas pinturas espalhadas por toda a cidade e é conhecido e respeitado por conseguir desenvolver seu trampo nas mais diversas mídias. Não é a toa que ele já é uma lenda viva na cidade, desde que chegou a João Pessoa, há dez anos. Não há quem não o conheça.

Shiko nasceu em Patos, cidade há 300 km de João Pessoa, e lá viveu até os 18 anos. Nessa época ele já fazia uns desenhos pra tatuagens, camisetas de amigos, e produzia o Marginal Zine, onde publicava seus quadrinhos. Mudou-se com a família pra Brasília, onde viveu por dois anos e, de repente, como ele mesmo diz, sentiu vontade de morar aqui em João Pessoa, junto com a irmã. E veio.

Por conta do zine conheceu gente que trabalhava com vídeo, produção e música. Fez amigos e começou a desenvolver flyers pra todo tipo de shows: desde os da galera do hardcore até para os da turma do hip-hop, além de capas de CD das bandas do circuito underground. Assim foi ficando conhecido, e para passar pra o trabalho em tela e grafite foi um pulo. Percebeu as mil possibilidades de campo de atuação, foi se descobrindo e consolidando seu nome e trabalho. Era impossível passar despercebido.

A partir daí tudo começa a funcionar, principalmente pela verdade expressa em tudo que faz. Você nota que aquilo é real, faz parte mesmo do universo do artista, e isso faz chamar a atenção. Tudo parece muito objetivo ao primeiro olhar, mas é só observar um pouquinho mais pra perceber algo como “mensagens subliminares” nos trabalhos atuais: nomes de discos, títulos de livros, um adesivo ou um cartaz qualquer colado aparentemente sem intenção alguma. Tudo, absolutamente tudo, faz parte de um único universo, o dele.

Entre suas telas, um dos modelos que mais chama a atenção é o dos armários e estantes. Nela podem-se observar mais claramente as características citadas no parágrafo anterior, que faz você ficar curioso, querendo ir a sua casa pra saber se tudo aquilo é verdade mesmo e o que mais tem por lá. Eu, claro, usei a desculpa dessa matéria para fazer-lhe uma visita.

Era exatamente como nos meus sonhos: tubos de tinta espalhados por todo canto, discos, muitos livros, paredes pintadas, colagens na porta, stencils, pedaços de papel… E a mesa! Sim, a mesa do artista. Aquilo ali parece um mundo paralelo: uns recortes e desenhos inacabados, gibis, lápis de todos os tipos, tintas de todas as qualidades e uma luz maravilhosa. Tudo meio bagunçado, mas a chamada “bagunça criativa”, sabe? Aproveitei minha visita pra saber por que ele gosta tanto de usar esse formato do armário. Shiko não podia ser mais direto: “Quando você chegou aqui hoje, a primeira coisa que perguntou foi se podia sair fuçando nas coisas. Pois é, a gente adora fazer isso! Chegamos na casa de alguém, aí você acaba ficando uns minutos só na sala e já começa a mexer nas coisas que ela deixou em cima da mesa, olhar os discos que ela tem, os livros da prateleira, por exemplo. E isso é uma maneira que temos de conhecer mais sobre alguém, ver seus objetos pessoais. Essas estantes que eu faço tem isso. Todas têm uma unidade, nada está ali por acaso, elas pertencem sempre a uma pessoa ou a um só universo, dá pra relacionar aqueles livros com aqueles discos que estão lá… E é do caralho a conversa que rola depois de alguém ver um quadro desses” Pois é, olhar aquilo é uma delícia! Essas tais conversas raramente são sobre técnicas ou escolha das cores, por exemplo. Ela se transpõe pro mundo real com questões como “ah, você tem esse livro? Que bacana, eu tenho um outro livro dele, você quer emprestado?” ou “Ah, você gosta de tal CD? Há tempos eu estou procurando por ele!”. E é esse tipo de reação que Shiko diz mais gostar. A possibilidade também de gerar uma conversa paralela, conhecer gente com interesses parecidos, observar reações, ver o mundo vendo o mundo dele.

E aí nós encontramos outra paixão do artista: gente. É assumidamente o que ele mais gosta de pintar, formulando toda uma situação, um pensamento, e características fortes. Algo que é muito peculiar é que geralmente um personagem que observamos é curiosamente parecidíssimo com alguma outra pessoa que faz parte do seu circulo de amizades, ou seja, existe muito a impressão que você conhece aquela pessoa de algum lugar. Quer um exemplo? Na terceira imagem ao lado, o cara mexendo na pick-up é parecidíssimo com o Chico Corrêa, músico, amigo e figura carimbada na noite da cidade, e a Olívia é parecidíssima com uma ex-namorada do Shiko. “Não é uma regra, mas geralmente isso acontece, de eu fazer uma pessoa pensando em alguém real, mas nunca vou ter a preocupação de fazer um retrato dela. Eu penso mais nas características, o jeito de se vestir, o cabelo, a forma de sentar… Talvez seja isso que dê o resultado que parece que você conhece aquela pessoa de algum lugar”.

É tudo muito mágico e muito sensível. Ele sabe como chamar a atenção e faz isso naturalmente, é seu retrato, seu cartão de visitas. Costumo dizer que ele é o cara mais rock’n roll que eu conheço: vida e trabalho; assuntos e comportamento. Dorme s 6:00 da manhã, acorda s 13:00 pra pedir a marmita do almoço, passa as tardes e inicio da noite trabalhando em alguma coisa (trabalho nunca falta, pode apostar!) e depois sai pra beber e ver sua maior inspiração: gente e boemia. Nunca, eu disse nunca, perca uma oportunidade de tomar uma cerveja com esse cara. É conversa até amanhecer, regada com as histórias mais loucas que você já ouviu e ainda vai ouvir. Shiko é uma figura e tanto. Talentoso que só ele, e, principalmente, é cada um dos seus personagens.

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Nota do Site: Shiko lançou recentemente um livro chamado Blue Note que vem recebemos ótimas críticas em revistas como Rolling Stone e outras.

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