Fábio Farias – repórter
Já dizia o mestre Cascudo, “Natal não consagra, nem desconsagra ninguém”. Conhecida por ter grandes músicos, a cidade praticamente não tem mercado para o que é produzido localmente. Os eventos destinados à música potiguar são restritos e o público, ainda pequeno. A “cena”, como é designada pelos artistas, pode ser dividida em duas partes: o rock potiguar, com espaços, mercado e público melhor delineado e dois grandes festivais reconhecidos para ancorar uma parcela dessa produção; e a MPB potiguar, com músicos instrumentistas, compositores e cantores, mas com um mercado difuso e um público não muito definido. A cantora Valéria Oliveira faz parte dessa segunda “cena”. Há mais de dez anos na música como intérprete, desde 2005 ela passou a compor. Em 2007 lançou seu primeiro CD com músicas autorais. Hoje, está lançando o segundo trabalho autoral “No Ar”. Ela fala das dificuldades. “Existe um espaço sim, mas ainda falta público e não temos um apoio de divulgação e de difusão até por parte das rádios”.
Produtor de Khrystal, José Dias tem uma visão parecida com Valéria. “Falta apoio na divulgação dos nossos artistas na mídia”, diz. Além disso, ele acrescenta também que é necessário um maior profissionalismo entre os músicos potiguares “Não dá para ficar só no banquinho e violão, é necessário montar uma carreira, se profissionalizar para gerar o mercado”, protesta.
As iniciativas
Como forma de movimentar a cena local e tentar resolver parte dos problemas, Valéria Oliveira se uniu a Simona Talma, Khrystal, Ângela Castro e Luís Gadelha e montou o Projeto Retrovisor. “A gente sentiu a necessidade e viu que tinha um público, aí nos reunimos. Fizemos shows e lançamos um CD”, conta. Para Valéria, o projeto deu um novo fôlego. “Tivemos um feedback bem legal de outros músicos, muitos voltaram a tocar e a compor depois do projeto.” . Sobre o momento atual, é unânime entre os três que as coisas estão melhorando. Valéria Oliveira vê dentro da Fundação José Augusto o interesse em difundir e divulgar a música potiguar. “Converso com Crispiniano e vejo nele que há a iniciativa”. Segundo ela, o que tem que mudar é a divulgação dos eventos locais. “Na cidade há vários projetos, que acabam sofrendo com a falta de público, por precariedade na divulgação”, diz.
Público: uma questão
A questão do público é uma espécie de calcanhar de aquiles para os músicos da Música Popular Potiguar. Para José Dias, em Natal há público, há espaço, falta mercado. “Não dá para fazer uma produção profissional de um show, para o artista no final receber um cachê de R$ 100”, conta. Valéria fala que é uma questão de olhar e até mesmo de aceitação. “É difícil fazer o público se interessar por um trabalho inédito, o artista tem que fazer um meio termo, fazer com que as pessoas se identifiquem e depois tocar”, diz. José Dias acha que esse mercado pode ser formado ao longo do tempo. “Com investimento, profissionalização dos artista local.” Para ele é necessário profissionalizar o mercado. Valéria Oliveira vê melhoras nesse aspecto. “Hoje o pessoal está produzindo mais conteúdo autoral e temos um pouco mais de espaço”, conta. Ela cita como exemplo positivo a mudança no formato do Projeto Seis & Meia, que passará até o final do ano a ter duas atrações locais. “Isso é bom porque a Fundação terá que divulgar mais o artista local para o projeto funcionar e pode-se criar mais público”, conta.
Cantora de blues, Simona Talma, não gosta do rótulo MPB. Segundo ela essa definição hoje faz parte de uma visão “eclética”. Mas ela está no meio dessa cena difusa. Simona tem uma visão pessimista. “O problema aqui é cultural, é uma coisa do povo natalense que não valoriza o mercado local”, diz. Apesar disso, ela considera que houve boas mudanças. “Antigamente, eu não tinha espaço para tocar, hoje sou chamada para tocar as minhas músicas”, diz.
Valéria está com disco “fresquinho” e novo produtor
Valéria Oliveira suspira. Recheada de influências internacionais e dentro de uma boa expectativa, a cantora potiguar Valéria Oliveira lança hoje às 21h na Casa da Ribeira seu CD “No Ar”, como parte do projeto Pixinguinha. O trabalho tem a participação dos cantores Luís Gadelha, Simona Talma, Khrystal, Sueldo Soares e Romildo Soares.
“No Ar” é lançado depois da participação de Valéria no festival “South By Southwest” em Austin no Texas – um dos maiores festivais de música independente do mundo. A novidade, no CD e no show, é a parceria com o produtor carioca Cláudio Olivetto, que vai dirigir a apresentação da cantora.
Cláudio, que já produziu a cantora Maria Bethânia, conheceu Valéria depois da turnê que ela fez em São Paulo divulgando o show do CD “Leve só as Pedras”. Ele conta que ficou encantado com a voz da cantora e com as suas músicas. “Um amigo colocou o álbum dela para tocar e fiquei impressionado com a qualidade das composições e com o timbre dela”.
Depois de se conhecerem os dois começaram a manter contato e a trabalharem juntos nesse novo show – que terá 10 músicas do novo CD e “Fala Baixinho” do Pixinguinha. O novo disco de Valéria vem com 12 faixas, além do CD a novidade é que será lançada também uma versão em vinil, com uma música extra remixada por Gabriel Souto. “Uma das coisas que é fruto SBSW foi essa ideia de gravar um L.P”, conta. O vinil está sendo produzido nos Estados Unidos e virá numa edição limitada. “Já tem um monte de gente pedindo uma cópia dele”.
O seu disco anterior é o primeiro autoral e nele há guinada na música pop. Esse segundo CD continua nessa mesma linha?
Ele segue a mesma linha do trabalho anterior. O “Leve Só as Pedras” foi uma virada na minha carreira, o primeiro de musica autoral. O ambiente sonoro está muito semelhante, as músicas estão mais tranquilas, os arranjos bem aproximados.
O que você trouxe da sua participação no South By Southwest para este trabalho?
Participar do festival lá em Austin foi um marco pra gente. Nós aprendemos muito, principalmente quanto a mercado de música mundial e ferramentas de divulgação pela internet. O nosso site já é algo que vem daí. Na parte artística, assistimos vários shows, foi interessante, houve uma troca e foi uma coisa que mexeu com cada músico.
Como partiu essa ideia de fazer músicas próprias, como surgiu essa mudança?
No início foi um problema, eu tinha uma dificuldade, uma insegurança. Na verdade, isso começou em 2005 e teve a interferência do produtor japonês Kazuo Yoshida. Ele fez uma melodia e mandou eu fazer a letra. A partir daí comecei a compor e saiu o CD “Leve só as Pedras”, além disso, tive influência também de Simonal Talma e Luís Gadelha, que compõe, foi acontecendo de forma tranquila.
E como foi o processo de composição desse novo CD?
O “No Ar” vem com músicas mais românticas, mas de uma forma mais contemporânea. Gosto de deixar a música fluir, tanto a composição quanto a produção, não pensei muito em um estilo que ele pudesse ter ou seguir.