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RESENHA DE LIVRO: TIM MAIA – VALE TUDO

O título não poderia ser mais apropriado, “Vale Tudo”. Realmente valia tudo na vida de Tim Maia e, por isso mesmo, apenas ele pode ser culpado pela vida que levou e o fim que teve. Se as piadas, muitas sobre o consumo de cocaína, eram engraçadas durante os shows, sua vida não foi das melhores, mas com certeza ele se divertiu. Tim foi um rei, não como Roberto Carlos, maior ainda. Mandava e desmandava em todo mundo. Incluindo gravadoras, banda, amigos, casas de shows, televisões, mulheres e até na polícia.

Muitos artistas, e pessoas em geral, quando tem o poder nas mãos são excessivos por algo que faltou em determinada época da sua vida. Afeto dos pais ou uma família estruturada, uma vida digna, amigos… Com Tim nada disso aconteceu. Desde criança ele teve tudo que queria. O pai era dono de uma pensão e tinha dinheiro suficiente para que ninguém passasse necessidade. Mas talvez por Tim ser preto e gordo em meio a todos aqueles meninos brancos, ele se sentia “excluído”, principalmente pelas meninas. Mas isso não é motivo para a sua vida desregrada mais tarde. Tim teve uma infância normal. Andava de bicicleta, jogava futebol, saia com os amigos e trabalhava entregando marmitas. Motivo de chacota de alguns garotos que chamavam ele de Tião marmiteiro. Apaixonado por música formou um grupo vocal que contava com Roberto e Erasmo. Logo nas primeiras apresentações Roberto se ofereceu para fazer uma apresentação solo e Tim considerou traição. A banda Sputniks acabou ali mesmo. Com o sucesso dos companheiros e seu fracasso, foi aos EUA continuar sua sina de fazer besteira. Trabalhou em lanchonete, em abrigos para idosos, como babá… Mas foi preso após vários roubos e depois de uma passagem pela cadeia foi deportado. Desembarcou no Brasil e deu de cara com o estrondo que era Roberto Carlos. Com uma mão na frente e outra atrás procurou o amigo e não deu em nada. Peitando todo mundo, abriu caminho e virou sucesso. Junto com o sucesso vieram a cocaína, o uísque, o haxixe, a mescalina, o LSD. A maconha ele fumava desde jovem. E permaneceu fumando até morrer. E tem gente por aí que diz: “fumo todo dia, mas não sou viciado”. A partir daí Tim passou a abusos frequentes, abusos com drogas e de autoridade. Ele era o Tim Maia do Brasil, mas morreu depois de subir ao palco e não conseguir cantar uma música sequer. Quando a “velha da capa preta” veio, não deu tempo de se despedir. O pior que o mau-estar em público não convenceu a platéia, acostumada com suas presepadas que muitas vezes provocaram quebra-quebra. Isso basta para explicar a vida que ele levou. Uma vida de excessos e regada ao aqui-agora. Dinheiro, cocaína, brigas, mulheres, viagens (em todos os sentidos) e um sucesso que é reconhecido até hoje. Se ele ficava furioso com calotes que levava, achava graça em dar calote. Se achava graça em botar um Doberman para atacar companheiros de banda, não achava graça quando alguém fazia piada com ele. Ou seja, ele podia tudo, os outros não podiam. Destratava políticos, grandes nomes da música nacional e até seus melhores amigos, para no outro dia fingir que nada tinha acontecido, aumentando a mística de maluquice que rondava sua estrutura rotunda. Coisa que o livro mostra dividindo os parágrafos pela variação de peso do cantor.

A qualidade musical e o folclore em torno de Tim era o que movia sua fama. Nas apresentações ninguém sabia se ele iria. Se fosse, ninguém sabia em que estado chegaria e nem se permaneceria no palco, como aconteceu muitas vezes após gritar “estratégia” no meio de uma música. Era a deixa para avisar que ele ia embora. Mas se a estratégia fosse contra ele a coisa pegava. Quebrou sala de diretores de gravadora, quebrou a cara de uma de suas mulheres, quebrou vários telefones. Foi embora de hotéis sem pagar, deixou muitos músicos sem receber, e sacaneou vários contratantes. Atitudes que lhe custaram muito dinheiro distribuído em vários processos que ele nem comparecia as audiências. Como Tim não tinha semancol, quando voltou da Inglaterra trouxe duas cartelas de LSD. Distribuiu a quem viu pela frente na Philips. Da secretária aos diretores. Frases de efeito ele tinha várias, eis duas famosas que todo mundo conhece: “Fiz uma dieta rigorosa, cortei álcool, gorduras e açúcar. Em duas semanas perdi 14 dias” e “Não fumo, não bebo e nem cheiro, mas as vezes minto um pouquinho”. Outra falava sobre a independência musical que já era exercida por ele muito antes do desmantelamento da indústria fonográfica: “É como quando você está com aquele tesãozinho e pensa em chamar uma puta, mas não quer gastar dinheiro. Você não chama a puta, toca uma punhetazinha, goza e não paga nada – mas também não come ninguém. A produção independente é mais ou menos isso”. Deixando de lado a vida pessoal e encarando apenas o lado musical de Maia, ele era um mestre. Sua passagem pelos EUA lhe rendeu um ótimo inglês e o aprendizado do soul e do funk. Fez fusões de sucesso como misturar a disco music com o funk e o forró com o funk. E tinha a fórmula certa para um disco de sucesso: metade mela cueca e metade esquenta sovaco. De saco cheio da indústria fonográfica, criou seu próprio selo e editora, construiu seu próprio estúdio e comprou seus próprios instrumentos, importados. Com a gravadora SEROMA, iniciais de Sebastião Rodrigues Maia, ele gravou e lançou vários discos, bem como editou letras suas e de outros. Antecipando os dias de hoje. Foi através de sua gravadora que ele lançou os dois discos em homenagem ao Universo em Desencanto. Nessa época parou de beber, de fumar e só usava branco. E obrigava todos os músicos a fazer o mesmo. Os discos saíram cheios de suingue e canções belíssimas, mas as letras eram pura pregação. E se era para pregar, só os seguidores gostavam. Como o sucesso e dinheiro prometidos pelo guru nunca chegavam, Tim se emputeceu e quebrou tudo, mais uma vez. E nunca mais quis falar no assunto.

Em meio a todos os problemas Tim era muito generoso. Como não tinha empresário, ele mesmo fechava os negócios. E quem estivesse no apartamento e atendesse o telefone ganhava uma grana. Distribuia presentes em um lar de crianças carentes e as levava para passear e lanchar. Na piscina que tinha em seu estúdio chamava moradores de rua para tomar banho. No mesmo terreno criava cavalo, vaca, boi, cachorros, pavão e gansos. Tim poderia ter deixado um legado para os filhos muito grande, mas preferiu brigar com empresários, gravadoras, televisões e patrocinadores, como quando a Brahma fechou um contrato de 60 shows e ele topou, mas não se conteve, como sempre, e disse que gostava mesmo era de uma Guaraná Antarctica, Os shows foram para Roberto Carlos. Tim foi isso. Um misto de doido e visionário, mas que não soube equalizar as equações que uma vida de grande sucesso proporciona. O resultado foi um rápido fim, devastado por problemas de saúde que resultaram num quadro de hemorragia digestiva, infecção pulmonar e renal. O resultado da vida que levava foi fulminante.

A história de Tim Maia do Brasil se desenrola por 385 páginas. Quando no dia 15 de março de 1998, há dez anos, Tim sucumbiu. O livro é uma biografia, rica em detalhes, e rica na bajulação e conivência com práticas que não tinham graça. Podia até ter uma vez, mas ver isso todos os dias cansa. Cansou as várias mulheres que passaram pela vida de Tim e tinham que dividir a casa com traficantes, pedintes, prostitutas e todo tipo de gente que frequentava o lar do dono do Brasil. Nelson Motta é feliz quando aborda a intimidade de Maia, muito por conhecê-lo bem de perto, de tê-lo produzido, de ter sido seu avalista em projetos que não se sabia se dariam certo. Diante de tudo isso, Nelson Motta mostra Tim como um gordinho simpático, doidão e inteligente. Mesmo com os excessos, diários, chamados de triatlon (cocaína, uísque e maconha), brigas, violência e trambiques, a imagem que ele insiste em passar é de um cara de bem com a vida e com os amigos. Passando a mão na cabeça do amigo como quem passa a mão na cabeça de uma criança de 4 anos. O problema é que Tim insistia aos 50 anos em levar uma vida de quando tinha vinte e poucos. Isso não tem graça.

Baixe Tim Maia Racional vol. 1. As músicas foram extraídas do cd e são a versão original do vinil, sem restauração. Sinta o chiado.

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4 Comments

  1. ótima a resenha.Foi exatamente isso que senti ao ler o livro.O cara teve tudo para dar certo,mas não soube aproveitar.Acredito que ser o filho mais novo em meio a tantos irmãos velhos colaborou para que ele crescesse se achando uma pessoa acima do bem e do mal.Isso foi negativo e a vida um desequilíbrio só, mas as músicas são maravilhosas.

  2. muita gente não chega nem perto de ser a cocaína metabolizada e expelida na urina do tim maia como um lixo orgânico sem valor e sem utilidade alguma. É muito mais fácil e confortável ser um sofista de merda, um eloquente papagaio social, um medroso, que tem medo da vida e de si próprio, do que ser Tim Maia.

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