Editorial

OPINIÃO: NÃO TEM PREÇO

anamorena bragança

NÃO TEM PREÇO

Ana morena, baixista do Camarones Orquestra Guitarrística analisa tour da banda e comenta o que viu por aí Brasil afora.

Quando eu tinha quinze anos, banda de rock tocava em estruturas pífias, normalmente em lugares abandonados ou na casa de alguém, para públicos mínimos, de forma totalmente underground, sem organização e feita na raça de uns dois ou três corajosos que agilizavam em suas cidades. Era um show de banda “underground” por mês. Em Natal, cidade onde moro, era até pior. Esperávamos e preparávamos um show, um showzinho com cinco bandas, sendo um de fora da cidade por dois meses inteiros. Fazíamos o show e dava sempre umas cem pessoas. Se desse duzentas, era um sucesso arrebatador e íamos todos gastar o “lucro” numa sanduicheria mais próxima.

Então, para essa realidade dos meus quinze anos, a única saída para se ter uma carreira musical era, sem dúvida, ser “descoberta” por uma grande gravadora. Nossa, e como eu queria! Não exatamente ser descoberta, mas como eu queria viajar o Brasil, conhecer pessoas, tocar para públicos diferentes, gente interessante e interessada, divulgar minha música. Queria demais fazer isso.

Passou-se um tempo e eu comecei a entender que ser “descoberta” por uma grande gravadora era para poucos. A gota d’água foi quando tocava numa banda e recebi uma proposta de uma gravadora média que era tão absurda, tão sem propósito que eu cortei esse sonho idiota de ser descoberta por alguém. Sou dona do meu próprio nariz, e se tem alguma coisa que eu quero, eu mesma vou até lá conseguir. Decidi que não deixaria nunca mais nas mãos de terceiros a realização de um sonho MEU.

E aí, foi quando eu e Anderson Foca (parceiro em tudo na minha vida) montamos o DoSol. Começamos com um selo, depois um estúdio, depois uma produtora, depois um centro cultural, depois um festival, uma produtora de vídeos… enfim. Montamos a duras penas e com muito trabalho, uma estrutura para que pudéssemos ter uma carreira musical (que para quem não sabe, envolve bem mais do que só tocar em banda). Queríamos viver disso, sem precisar deixar nas mãos de ninguém os nossos sonhos. Agora, doze anos depois, posso afirmar: conseguimos isso. Não é fácil, dá trabalho, mas o que importa é que a nossa vida está em nossas mãos.

Então: carreira musical e viver disso, check! Mas sinceramente, para quem é roqueiro como a gente, não estaria completo se não estivéssemos tocando. Lembra quando eu disse que o meu sonho de quinze anos era tocar por aí? Divulgar o som, fazer shows, conhecer pessoas? Bem, esse sonho eu já posso dizer que realizei e que, melhor ainda, continuarei realizando.

Eu tenho uma teoria que banda pra ser banda MESMO, precisa cair em turnê. Nada, eu disse, NADA, define melhor um grupo, amadurece e fortalece, do que passar dez, quinze, trinta dias sendo banda em tempo integral. Como diria um amigo: “é aí que você tem que se garantir”. Por que não é fácil. Você lidar com trânsito, estrutura dos lugares, doença, cansaço, equipamentos que quebram, 24 horas do seu dia, é muita coisa. Como uma banda consegue passar por esses pormenores é que mostra a que ela veio.

Não entendo porque alguns músicos reclamam tanto, que não tocam, que são boicotados, que é panelinha. CONVERSA FIADA! Músico que não toca ou é músico com outras prioridades, ou é músico preguiçoso ou é músico que quer ser “artista” no pior sentido da palavra – minha avó dizia dos mazelas da rua: “é, esse fulano é um artista!”.

É conversa fiada porque, em quase todas as cidades que circulamos, tínhamos um suporte INCRÍVEL dos coletivos do Fora do Eixo. Sabe os tais coletivos que tem uma turma do contra que fica falando mal? Injusto demais. Injusto, injusto, injusto. Os coletivos foram papel fundamental em uma turnê de quase 20 dias que fizemos pelo Sudeste e Centro-Oeste do país. Não tem preço você chegar numa cidade estranha, cansado da viagem, cansado de outros shows e ter uma galera organizada que vai te ajudar a fazer o melhor show possível naquele lugar. Uma galera que vai te receber bem, trocar uma idéia, te levar nas pautas, providenciar hospedagem e alimentação e o mais importante: BRIGAR PELO SHOW. Cara, é muito importante ter uma pessoa na cidade que brigue pelo show, que divulgue, que faça o boca-a-boca, que gere matérias nas mídias locais, enfim. Sabe aquele PRODUTOR ROCHA? São os coletivos do Circuito Fora do Eixo.

Claro que existem uns mais bem estruturados do que outros, claro que existem falhas e pequenos problemas. Mas gente, temos uma pessoa que representa e respeita o rolé da banda em cada uma dessas cidades. O Camarones fez umas 14 pautas, acho que uns 12 shows. Sabe o único show que tinha menos de 70 pessoas para ver a gente? Na única cidade que não tinha nem um coletivo ou um produtor local brigando por ele.

Aí o “artista” retruca: “Ah, mas você foi pagando do bolso.” Não mesmo. O Camarones tinha 2 shows com uma verba muito boa (SESC e Virada Cultural) que bancaram a brincadeira. A diferença está aí: a gente não quer ser “artista” a gente quer ter carreira musical. Então, em vez de irmos fazer dois shows em São Paulo e voltar para Natal com a grana boa no bolso, resolvemos investir numa turnê, fazendo bilheterias e pegando ajuda de custo nos outros lugares. Quer saber do melhor? Ainda voltamos no lucro e com convites e possibilidades de shows com cachês ótimos. É aquela brincadeira que a gente faz com as palavras: você quer tocar? Então toque, amigo. Porque banda que toca, toca!

Voltei para Natal com a sensação de dever cumprido, com a satisfação de só quem passa por uma experiência dessa pode entender. A sensação de estar fazendo a minha parte e de estar sendo recompensada por isso. Conhecemos tanta gente, fizemos tantos amigos, tocamos para platéias de dez pessoas e para outras de cinco mil, em diferentes locais com estruturas tão díspares, e fizemos o mesmo show, com a mesma vibe e a mesma vontade. Pensar que cada uma daquelas pessoas do público saiu de casa e se dispôs a curtir uma banda de Natal/RN, que fazia rock instrumental divertido, da qual elas nunca tinham ouvido falar? Cara, isso não tem preço.

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14 Comments

  1. Como eu queria q pelo menos 10% das bandas e dos reclamões do Brasil lessem isso.
    E claro! se tocassem e tentassem fazer a mesma coisa uma vez soh na vida.
    Iriam ter outra perspectiva da vida, pelo menos os valores iriam se enriquecer!

  2. Eu tive o prazer de assistir dois shows dessa tour na mesma semana. E digo o mesmo que o Denis ai em cima. Quem dera se as bandas pelo menos lessem esse texto, e despertassem para as possibilidades existentes hoje, e se disponham a TRABALHAR! Parabens Camarones pelos shows e pelo trabalho! Rock!!!

  3. Sou músico a 26 anos e já passei por várias mini turnês e é isso mesmo.
    Assiti o show aqui no Abril Pro Rock e senti o bom rock’n roll entrando pelos ouvidos e vibrando todo o corpo. Faz uns bons anos que não bato cabeça escutando rock’n roll como aconteceu nesse dia.

    Orquestra Guitarrística!!!!!!!!!!!!!!!!

  4. É isso ae!! Muito legal o que você disse Ana!! Não fui no show de Goiânia mais ganhei um cd de vocês de presente e curti demais o som e a disposição de investir no que gosta! Sei como é! Abraçooooo ROCK ROCK ROCK ON

  5. Parabens Foca!
    Concerteza isso vai servir de lição e inspiração pra mim!
    Quero hje mesmo imprimir este texto e mostrar aos integrantes da banda em que façõ parte! Isso sem duvida nenhuma sera um texto de alto ajuda a varias pessoas e grupos e tbm como um murro na kra de outros!
    Obrigado por me fazer enchergar as coisas melhor hje!

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