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OPINIÃO: MONEY FOR NOTHING POR HIGOR COUTINHO

capilé

Depois de uma enorme e bacana discussão nos comentários do blog oinimigo, repercutindo a entrevista que Pablo Capilé deu na sua passagem por Natal, replico a melhor opinião sobre o assunto que li e que pode representar a nossa (do Dosol) nesse contexto todo. O texto é do Higor Coutinho do Goiânia rock News. Leia aí:

Desde que o mundo é mundo a humanidade está dividida em contentes e descontentes. E o descontentamento é poderoso, transformador, quando conduzido para o lugar certo. Mas independente da geografia, o “lugar certo” na maioria esmagadora das vezes está subordinado ao contexto, a uma série de fatores conjugados que ajuda na conversão dessa contrariedade em uma nova realidade que, por melhor que seja, muito provavelmente vai produzir novos descontentes.

A atual cúpula da música independente nacional, resumida em cerca de meia-dúzia dos produtores de alguns dos festivais mais importantes do circuito, ascendeu localmente em meio a um cenário de transição, fruto da associação entre uma nova, e favorável, realidade tecnológica e a insatisfação com aquela lógica de mercado castradora, que impedia sistematicamente o desenvolvimento orgânico de uma música honesta, essencialmente urbana, até então mal-aparelhada e apertada em guetos.

Da apropriação dessa popularização tecnológica via banda-larga, e do descontentamento (e, quase sempre, de uma devoção quase religiosa à música) nasceram os símbolos propostos de uma nova lógica, organizada de baixo para cima, que desprezava o “sucesso” e em seu lugar cobrava (propunha) somente dignidade artística, traduzida na “utópica” criação de um circuito nacional de música independente que conseguisse, no mínimo, se manter de pé sozinho.

O resultado disso tudo todo mundo já sabe. Reunidos em associações locais que se expandiram (e se integraram) até atingirem alcance nacional, produtores (que grande parte das vezes são também músicos) fundaram a ABRAFIN – Associação Brasileira de Festivais Independentes, e uma série de outras siglas que tentam organizar e, atribuindo um método ao processo, profissionalizar o circuito.

Porém, estabelecidos os pilares dessa nova realidade, um eventual e desorganizado coro de descontentes surgiu e tem se manifestado ferozmente sempre que pode. E o ultraje máximo a que respondem com tanta ferocidade é o fato de que, ao serem convidados para alguns dos vários festivais da associação, a ABRAFIN se recusou a pagar para tê-los em suas programações.

O mais novo palanque dessa turma é o espaço reservado aos comentários na entrevista que o Pablo Capilé, membro cuiabano dessa cúpula, concedeu ao Hugo Morais e que está publicada no Inimigo.com. E o mais curioso não são as reclamações recalcadas, mas a paciência e didatismo com que figuras como o Miranda (é, esse mesmo) e o Fabrício Nobre tratam seus detratores, respondendo pacientemente a esdrúxulas acusações que vão de enriquecimento ilícito até exploração de trabalho escravo (!?).

Não consigo enxergar muita polêmica no tema. Juro. Pra mim as coisas são tão simples quanto poderiam ser. Música é, essencialmente, prazer estético, comunicação. Cada banda vale quanto pesa, e se a sua ainda não se comunica como você gostaria, e não garante um público que valha o investimento, festival nenhum no mundo vai gastar sua verba com você. Com ou sem patrocínio público. Ponto.

Agora, se você conseguiu repercussão local a ponto de um festival de outro Estado se interessar em ter sua banda na programação, mas te trata mais como uma “aposta” do que como “revelação”, você tem duas opções. Se tiver mesmo certeza do seu talento, aposte você também e invista aquela grana que estava reservando para trocar de guitarra. Pague pela viagem, toque e faça diferença.

Tocou muito cedo, tinha pouca gente, o show não teve a repercussão esperada e ainda ficou sem a grana? Paciência. Era uma aposta e você sabia que o risco do fracasso existia tanto quanto o do sucesso (o produtor do festival também correu risco de falhar, e no caso dele o prejuízo seria bem maior que o seu).

A segunda opção é achar que você é talentoso demais ou já está mesmo muito velho pra esse tipo de aposta, e recusar. É simples. Cada um encara a música de um jeito, e se você já desistiu de apostar em si mesmo é por que deve ter definido outras prioridades. E se não definiu, deveria.

Mas o “caso modelo” que inspira tanta reclamação sem sentido, tem contornos bem particulares. Fernando Catatau, líder do Cidadão Instigado, em matéria da Rolling Stone Brasil assinada pelo chapa Leonardo Dias Pererira, foi o legitimador involuntário dessa nova turma de descontentes ao cravar:

Acho esses festivais e a entidade que os organiza [Abrafin] uma máfia. São sempre as mesmas bandas e toda vez que nos chamam é pra fazer show quase de graça. Não tenho mais idade pra desvalorizar a minha música. Até brincamos entre a gente que vamos fazer a Abramim – Associação Brasileira dos Músicos Independentes.

Mas o Cidadão Instigado sempre foi muito mais sucesso de crítica que de público, e jornalista não paga ingresso. De modo que é bem possível que as contas não fechassem pra nenhum festival que bancasse a banda pelo peso que Catatau crê que ela vale, e assim o músico descarta conscientemente e por opção outras possibilidades (como a própria formação de um público maior) em nome da idade e de um justo brio artístico.

O perigo, pra você que se inspira na atitude do Catatau para se indignar pela falta de pagamento pela sua música, é que muito provavelmente seu talento é tão incompreendido quanto falso, e além de não ter público você não tem o aval da imprensa especializada, esvaziando assim suas reivindicações e te transformando numa espécie de bebê-chorão, reclamando aceitação num clubinho que não te trata como você acredita que deveria.

E se você fosse inteligente o suficiente, usaria essa sua frustração, esse seu descontentamento, pra engolir o orgulho, voltar pra garagem e polir a criação, planejando também uma vida financeira para sua banda, poupando os centavos para persistir na aposta, até que o público (ou a crítica) te legitime e dê algum sentido às suas aspirações de ser pago pra tocar.

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