Matérias Especiais

MARCOS BRAGATTO (RJ): UM VERDADEIRO PRESENTE DE NATAL

u2ingresso85

Por Marcos Bragatto, Rio de Janeiro

Relançamento de vídeo histórico do U2 redime o Natal até mesmo para quem considera a festa capitalista um grande horror. Há coisas que só o rock’n’roll pode fazer por você.

Meus amigos, o tempo passa, o tempo voa e a Vera Fischer continua muito boa. Vejam vocês que, um vídeo que assisti em primeiríssima mão em 1985 completa 25 anos e chega, enfim, ao formato DVD. E eis, que, do nada, ele surge das mãos do jovem entregador – mais jovem que o próprio filme, talvez – dentro de um insuspeito envelope branco, em vez de vir saltitante na famosa sacolinha. Sua chegada é tão importante e surpreendente que sou obrigado a quebrar o protocolo e considerá-lo o mais importante presente de Natal de todos os tempos. Ainda mais numa coluna escrita nesse 25 de dezembro.

Falo do Natal e já me arrependo. Porque, verdade seja dita, não sou um entusiasta da data. Ao contrário, desde bem cedo considero a comemoração do nascimento de J. Cristo um horror. Não que tenha algo contra Ele, mas porque no dia de seu aniversário, J. Cristo é do de menos. Num mundo capitalista onde todos só pensam no consumo, o negócio é gastar dinheiro em presentes quase sempre desnecessários, fábulas consumistas como a de S. Claus e o escambau. Que mané nascimento de Cristo. Penso assim desde muito cedo, e embora tenha ficado de coração menos rígido a cada ano por causa da data em si, acho tudo que a cerca o tal do horror.

Abro, portanto, quase que uma exceção de toda a minha vida para, enfim, associar algo de extraordinariamente bom a uma data penosa. Explico. Não sei se os amigos já tinham ouvido falar do vídeo “U2 Live At Red Rocks”, pois eis que é ele o dono das bodas de prata renascido em DVD. Falando assim, numa época em que DVD é algo mais banalizado que disco acústico, parece algo ordinário. Pois não é. Trata-se de um filme feito na hora certa com a banda certa, pelas pessoas certas. Sabe quando usam o termo “fazer história” (e como usam isso hoje em dia)? É por aí. Hoje, 25 anos depois, não há como não reconhecer a história viva, em estado bruto e documentada como pouco se fez até hoje.

Na sei se os mais jovens têm noção, mas, em meados dos anos 80 não era tão fácil assistir a um vídeo de rock. Naqueles tempos, não existia aparelho de DVD, a febre eram os videocassetes, que, aliás, poucos tinham em casa – só os mais abastados. Comuns como eu tinham que recorrer às chamadas salas de vídeo para assistir à gravações, geralmente pirateadas, dos shows de rock do momento. Nem tanto “do momento” assim, uma vez que existia um certo atraso para as coisas desembarcarem por aqui. Essas salas, com capacidade para menos de 100 pessoas tinham “telões” bem modestos e de qualidade quase sempre razoável, mas era o que se tinha, meus amigos, era o que se tinha.

Ocorre que, com a abertura política no Brasil, e depois do Rock In Rio, que arrombou as portas do rock na grande mídia em janeiro de 1985, o público interessado no assunto era agigantado a cada módulo tocado na Fluminense FM. A coisa já tinha crescido tanto, que a Rádio Cidade, sempre comercial, já tinha decido seguir os passos da Maldita e se tornar, ela própria, uma rádio rock. E jogou pesado, atraindo para seu elenco ninguém menos que Monika Venerábile, uma das mais marcantes vozes lançadas pela Fluminense, que, diga-se, entre outras revoluções, foi a primeira a ter somente locutoras femininas. Monikinha apresentava, na Cidade, o programa “102 Decibéis”, só de rock, aos domingos à noite, que, do nada, começou a promover a exibição do vídeo do U2 no Estádio de Remo da Lagoa, cuja capacidade, na época, era em torno de 5 mil pessoas.

O tal vídeo do U2 era o “Live At Red Rocks”, embora a produção sequer soubesse disso. Reparem que no ingresso escaneado lá embaixo aparece “Vídeo inédito – Tour Europa”, e o vídeo foi gravado num palco encravado as montanhas rochosas do Colorado, nos Estados Unidos. Acontece que na data marcada para a exibição, com o local lotado, a cópia do tal vídeo ainda não havia chegado, e para não pagar um mico ainda maior foi exibido, no lugar do “Live At Red Rocks”, o “U2 Live In Berlim”, que mostrava um show de Bono e cia. numa fase seguinte, posterior ao do álbum “The Unforgetable Fire”, de 1984 – o “Live At Red Rocks” é da turnê do disco “War”, de 1983. Mais tarde, numa outra data, o vídeo prometido foi exibido e se tornou um clássico instantâneo em tudo o que era sala de vídeo e em cópias piratas de baixa qualidade feitas por todos. Imaginem hoje em dia um local com capacidade para 5 mil pessoas vendendo ingresso para exibir um vídeo… Outros tempos, meus amigos, outros tempos.

Mais e daí? Porque esse vídeo é histórico? Pergunta quem ainda não deixou de ler esse lengalenga todo. No que eu respondo. Porque flagrou uma banda nascida para ser grande, num momento de quase absoluta despretensão e carregando um frescor excepcional. Percebe-se Bono, The Edge, Larry Mullen Jr. e Adam Clayton desprovidos de quaisquer marras causadas pelo sucesso e suas agruras, mostrando um som acintosamente espontâneo e um repertório extraordinário, acrescido, nessa versão em DVD, de cinco músicas que tinham sido limadas na versão original para manter a duração de uma hora, considerada na época comercialmente ideal. Basbaques puristas irão reclamar disso, mas não há o que tirar nem por no DVD, muito menos extras desnecessários. Mas atenção: isso não é uma resenha.

Outro fato a ser destacado é que as filmagens foram feitas sob intensas dificuldades climáticas, com um número reduzido de câmeras (6!) carregadas nos ombros dos profissionais e constantemente borradas pela neblina. Os ângulos alternativos, as incríveis tomadas de fumaças saindo dos corpos de músicos e do público, e o local em si, um anfiteatro no meio de uma pedreira distante de tudo – tudo isso contribui para um registro extraordinário de uma banda idem. Daí este velho homem da imprensa não se conter com o presente que veio dos céus. Obrigado, Velho Batuta!

Previous ArticleNext Article

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *